
A Câmara de Loures garante que 25 famílias que ficaram desalojadas após a demolição das barracas onde viviam no bairro do Talude não se dirigiram aos serviços sociais da autarquia para procurar alternativas e outros oito agregados recusaram ou não mostraram interesse na ajuda disponibilizada.
“A Câmara Municipal de Loures assegura que todas as famílias que ocupavam as construções precárias entretanto demolidas no Talude Militar foram contactadas, acompanhadas e tiveram acesso a soluções concretas, ajustadas à sua situação. A opção pela pernoita no local resultou exclusivamente da recusa ou não adesão às respostas disponibilizadas pelo município”, salienta a autarquia.
Mas, afinal, que apoios foram oferecidos pela Câmara? E o que levou as pessoas a não aceitar? O Expresso sabe que as propostas foram apresentadas verbalmente pelas assistentes sociais da autarquia e não foram formalizadas por escrito, apesar de vários moradores o terem pedido. E as informações não são coincidentes quanto às soluções que o município terá definido.
De acordo com o Movimento Vida Justa (MVJ), um dos apoios que foram propostos passa pelo pagamento da caução e da primeira renda a famílias que arrendem uma casa e apresentem o respetivo contrato assinado, desde que a renda não seja superior a 500 euros, o que não existe no concelho. O Expresso consultou cerca de 190 anúncios de casas para arrendar no município de Loures e não encontrou nenhuma abaixo de €750.
“Se houvesse casas para arrendar até 500 euros, as famílias não estariam a viver no Talude. São pessoas que trabalham e que poderiam pagar uma renda, mas não aos preços que são atualmente praticados no mercado de arrendamento”, critica Rita Silva, do MVJ, que dá apoio às pessoas que vivem neste e noutros bairros de construções precárias na Área Metropolitana de Lisboa.
No caso de se tratar do arrendamento de um quarto, a associação afirma que o apoio disponibilizado pela Câmara também para o pagamento da caução e da primeira renda estipulava um teto de €200. O problema é que, mais uma vez, no concelho, não há quartos a esse valor. Num levantamento feito pelo Expresso a partir de 125 anúncios de quartos naquele concelho, o mais barato custa €350.
Contactada pelo Expresso, a Câmara não confirmou nem desmentiu estes tetos máximos para as rendas, adiantando apenas que as propostas foram feitas caso a caso e que o limite foi definido em função do rendimento de cada agregado familiar.
Mas, mesmo que a autarquia assumisse o pagamento da caução e da primeira renda em casas ou quartos acima daqueles valores, o Movimento Vida Justa afirma que isso não seria solução, já que as famílias não teriam como continuar a assegurar aquela despesa todos os meses, tendo em conta o salário que auferem.
De acordo com a autarquia, das 30 famílias que foram atendidas pelos serviços sociais “uma conseguiu autonomizar-se com recurso ao mercado de arrendamento, tendo beneficiado de apoio municipal para o pagamento da caução e do primeiro mês de renda e outras quatro estão em processo de autonomização com apoio idêntico”.
Quartos em pensões: onde e até quando?
Outro dos apoios propostos pela autarquia passa por colocar as pessoas numa pensão, mas a solução seria apenas temporária. Três mulheres com filhos a cargo foram encaminhadas para pensões na zona de Lisboa, mas o Movimento Vida Justa garante que lhes foi dito pelas assistentes sociais que teriam de encontrar por si próprias uma solução dentro de poucas semanas.
Segundo a autarquia, foi proposto a outra mulher, também com filhos a cargo, um quarto no Estoril, com “alimentação e transporte entre a pensão e o local de trabalho”, oferta que a pessoa acabou por recusar, “depois de ter aceitado”, regressando ao Talude. Mas a Associação de Moradores do bairro tem outra versão. De acordo com Engels Amaral, porta-voz da associação, não foi oferecida nenhuma ajuda para o transporte diário até ao emprego, que fica longe do Estoril, não existindo transportes públicos entre os dois locais, dentro dos horários de trabalho da respetiva mulher, o que a levou a declinar aquela mudança. Além disso, o facto de ter uma filha com problemas de saúde fê-la optar por continuar no Talude, onde pode contar com o apoio da comunidade para cuidar da criança enquanto trabalha, ajuda que não teria disponível se se mudasse para o Estoril, onde não conhece ninguém.
“Os supostos apoios propostos pela Câmara não constituem alternativas reais, nem são consequentes”, critica Rita Silva, do Movimento Vida Justa. A ativista aponta como outro exemplo o caso insólito de um cidadão brasileiro cuja barraca onde vivia foi igualmente demolida e a quem os serviços sociais terão proposto um lugar numa pensão em Beja ou, em alternativa, em Braga, dada a escassez de quartos na AML, oferta igualmente temporária que o homem recusou, uma vez que trabalha na Grande Lisboa.
Ao Expresso, a Câmara diz não ter conhecimento desta situação e assegura que “o mais longe [que propôs] foi numa unidade hoteleira no Estoril”.
De uma barraca para outra barraca
Ainda segundo o município, houve 14 famílias com crianças, incluindo dez menores com idade inferior a quatro anos, que “não aceitaram as soluções apresentadas, referindo dispor de alternativa habitacional junto de familiares ou amigos”.
Engels Amaral, porta-voz da Associação de Moradores do bairro, assegura que quase todas permanecem no Talude, em barracas onde vivem familiares e que ainda não foram demolidas, estando agora numa situação habitacional ainda mais precária, pelo facto de estarem a viver em espaços agora sobrelotados.
Finalmente, a Câmara de Loures refere que houve 25 agregados familiares que nem sequer se dirigiram aos serviços sociais para conhecer os apoios possíveis. Rita Silva, do Movimento Vida Justa, explica ao Expresso que muitas destas pessoas já estiveram, no passado, igualmente desalojadas, em anteriores vagas de demolições no Talude, tendo depois voltado a construir barracas, que foram agora, novamente deitadas abaixo. “Estão com a vida desfeita, com os seus pertences debaixo de escombros, com filhos para alimentar e a trabalhar. Pensam que não vale a pena perder tempo a ir aos serviços sociais quando já sabem perfeitamente o que podem esperar da Câmara, uma vez que já estiveram nesta situação”, explica Rita Silva.
O porta-voz da Comissão de Moradores do Talude acrescenta outra explicação para o aparente desinteresse apontado pela autarquia. “Muitas pessoas têm morada fiscal noutros concelhos, em casas de familiares que não aceitam acolhê-las mas que se dispõem a receber cartas em seu nome. E já lhes foi dito que, tendo morada fora, não terão direito a nenhum apoio da Câmara, pelo que nem precisavam de se dirigir aos serviços sociais”, diz Engels do Amaral.
Os moradores e o Movimento Vida Justa refutam ainda a informação avançada pela autarquia de que as pessoas cujas barracas foram demolidas esta segunda-feira tenham sido previamente contactadas pela Câmara para analisar possíveis alternativas. E garantem que o único contacto prévio foi um papel que os serviços do município lhes deixaram na porta, sexta-feira, dando-lhes 48 horas para deixar a casa.
“Os assistentes sociais nunca vão ao terreno nem estabelecem uma relação com as pessoas. Estas são despejadas e enviadas para a casa da cultura de Sacavém, onde está o gabinete de ação social daquela zona. Despejam e demolem primeiro, depois é que atendem”, lamenta Gonçalo Filipe, também do Movimento Vida Justa.