
Belarmino Simões, de 64 anos, não sabe onde arranjou forças, mas quando viu o incêndio aproximar-se da sua aldeia na Lousã acartou mais de 300 baldes de água de 20 litros para salvar o seu rebanho de cabras e ovelhas.
"Nunca vi tal coisa na minha vida", diz à agência Lusa, transtornado, enquanto olha para o anexo onde perdeu trator, arado e alfaias agrícolas, na pequena localidade de Codessais, no concelho da Lousã.
Em 15 de agosto, quando o incêndio que afetou a Serra da Lousã, há uma semana, se aproximou da aldeia, Belarmino salvou o seu rebanho de 50 ovelhas e cabras, mas pouco mais.
No caminho para a sua casa, além do anexo ardido, veem-se pegadas de sangue do seu porco, que caminhou aflito até à sua casa, já sem cascos nas pastas, onde acabou por morrer, com as tripas de fora.
"Veio morrer aqui, a pedir socorro", lamenta.
Pela aldeia, o pouco verde que se vê é de umas nogueiras onde tinha terrenos limpos.
"Não há uma folha de couve sequer para pôr na panela. Não há nada", lamenta, apontando para outros terrenos que não são seus e que estavam cheios de silva e mato -- "Se fosse meu, que sou pobre, estava lixado", critica.
Naquele dia, só conseguiu pensar no rebanho -- nasceu no meio das ovelhas e das cabras em Santo António da Neve, no cimo da Serra da Lousã.
"É o meu sustento", conta.
Sem luz e sem água, acartou baldes de 20 litros por um caminho empoeirado e com declive para chegar ao curral onde tinha já as cabras e ovelhas presas, socorrendo-se de um poço de uma vizinha.
"A descer o caminho, a segurar o balde e as minhas pernas... ai senhores, mas lá consegui salvar o rebanho", conta.
Subiu e desceu o caminho pedregoso umas 300 vezes, conta, num combate feito entre os cidadãos que ali moram -- apenas viram a GNR às 18:30, altura em que se recusou a sair da aldeia.
As chamas ainda lamberam o curral, mas os baldes de água contínuos conseguiram suster o avanço.
"Se o fogo pega dentro do curral e o gado começava a morrer, eu morria ao pé delas. Foi uma vida toda nisto", vinca Belarmino Simões.
Desde que o incêndio passou e sem pasto, tem-se valido de donativos que vão chegando de vários pontos do país, com couves, bananas e fardos de palha.
Pelo meio, percebe que, se não fosse o trabalho das cabras à volta da aldeia antes do incêndio, o fogo teria entrado com outra violência.
"Mas quem é que hoje quer ser pastor?", pergunta Belarmino, que só foge do desalento assim que avista duas cabras pequeninas no curral que correm para o cumprimentar.
A filha de Belarmino brinca: "Ele troca-me por isto e eu sou filha dele".
"Eu implorei-lhe para sair de ao pé do gado", diz.
Para o futuro, Belarmino não sabe com o que contar, depois de uma vida também ela feita sem grandes ajudas.
Questionado sobre os apoios prometidos pelo Governo aos agricultores, Belarmino desconfia.
"Ligue-me daqui a dois meses para saber se recebi o apoio", aponta.