O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) vai pronunciar-se na quarta-feira sobre as obrigações dos países para prevenir alterações climáticas, uma decisão que pode representar "um marco civilizacional" no entender da associação Último Recurso.

"Estamos no limiar de um marco civilizacional. O parecer consultivo que o TIJ emitirá na quarta-feira não será apenas um documento jurídico: será um espelho da capacidade do Direito Internacional de responder à emergência climática", disse à agência Lusa Mariana Gomes, presidente da Último Recurso, que utiliza os meios legais para responsabilizar os que mais contribuem para a crise climática.

Se o TIJ for corajoso, como foi o Tribunal do Direto do Mar e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2024, "ganharemos um instrumento vital para acelerar a justiça climática nas ações já pendentes nos tribunais nacionais", considerou a responsável.

As decisões dos tribunais internacionais exercem uma cada vez maior pressão sobre governos e empresas para que assumam as suas responsabilidades em matéria de clima, podendo a decisão que o TIJ anunciar ter um papel importante na questão.

Na sequência de um pedido de Vanuatu (país do sul do Pacifico formado por 80 ilhas que corre o risco de ficar submerso), o TIJ foi incumbido em dezembro, pela ONU, para emitir um parecer sobre as obrigações dos Estados para prevenir as mudanças climáticas e estabelecer as sanções para os países poluidores.

Depois de importantes decisões de outras instituições, o mais alto tribunal do mundo deverá pronunciar-se sobre a delicada questão das obrigações legais dos governos face às alterações climáticas e, possivelmente, sobre o princípio do poluidor-pagador para os danos sofridos pelos países vulneráveis.

De acordo com Andrew Raine, do departamento jurídico do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), é a frustração perante a lentidão das ações climáticas que leva os cidadãos, as organizações e os países a recorrerem à justiça.

Até ao final de 2024, terão sido instaurados cerca de 3.000 processos relacionados com o clima ou o ambiente em quase 60 países, segundo o "Grantham Institute on Climate Change", em Londres. E alguns levaram os governos a tomar novas medidas.

Em 2019, a organização ambiental neerlandesa Urgenda conseguiu que o Supremo Tribunal dos Países Baixos ordenasse ao governo que reduzisse as suas emissões de gases com efeito de estufa em 25% até ao final do ano seguinte.

Em 2021, o Tribunal Constitucional alemão decidiu que a inação climática do governo impunha um fardo inaceitável às gerações futuras.

Atualmente, os litígios ultrapassam frequentemente as fronteiras, com 24 casos apresentados a tribunais internacionais ou outros organismos.

Dois casos em particular foram considerados decisivos. Em 2024 o Tribunal Internacional do Direito do Mar declarou, num parecer consultivo, que as emissões de carbono podem ser consideradas um poluente marinho e que os países têm a obrigação de atuar para reduzir os seus efeitos nos oceanos.

E o Tribunal Interamericano dos Direitos do Homem ordenou aos países da Organização dos Estados Americanos (OEA) que adotassem "todas as medidas necessárias" para proteger as suas populações face às alterações climáticas e reconheceu os direitos da natureza.

Vanuatu, que está ameaçado pela subida do nível do mar, pediu ao TIJ que se pronunciasse sobre as obrigações dos Estados de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

Ativistas pela proteção do planeta esperam que o parecer do TIJ tenha consequências jurídicas significativas para os países prevaricadores, unificando a legislação vigente, moldando a legislação nacional e internacional e influenciando processos judiciais em andamento.

Outros argumentam que a decisão da TIJ terá impacto limitado, pois os seus pareceres não são vinculativos.

Em dezembro passado o TIJ ouviu os argumentos de mais de 100 pessoas e instituições, um recorde, incluindo de pequenos Estados que compareceram perante o tribunal pela primeira vez.

"Este pode ser o caso mais importante da história da humanidade", disse o representante de Vanuatu, Ralph Regenvanu, na abertura das audiências, que se prolongaram por duas semanas.

Mas independentemente do resultado Mariana Gomes disse haver três "verdades jurídicas que são incontornáveis", uma delas a de que a crise climática "é uma violação em escala civilizacional dos direitos humanos", impondo aos Estados o dever concreto de proteger gerações presentes e futuras.

Setores "estruturalmente poluidores", como a aviação ou o transporte marítimo, "operam num vazio de responsabilização inadmissível", que o direito internacional deve sanar, considera também Mariana Gomes, que aponta ainda para a ligação entre a biodiversidade e o clima.