O Governo propôs, o Parlamento aprovou — com os votos de PSD, CDS, IL e Chega — uma alteração à Lei dos Estrangeiros que obriga qualquer mãe ou pai estrangeiro a fazer uma escolha impossível: manter a família unida ou aceitar uma oportunidade de trabalho em Portugal. A nova legislação endurece os critérios de entrada, permanência e, sobretudo, o direito à reunificação familiar — ou seja, a possibilidade de uma família permanecer junta quando um dos seus membros decide vir trabalhar para o nosso país. É uma mudança que, na prática, cria a Lei da Separação das Famílias.

Se esta proposta for promulgada pelo Presidente da República, qualquer trabalhador estrangeiro oriundo de fora da União Europeia será impedido de trazer consigo o cônjuge. Poderá vir com filhos — mas apenas se forem menores — o que significa que irmãos mais velhos, cônjuges e até dependentes legalmente reconhecidos ficam para trás. A única forma de reencontro familiar será através de um processo de reagrupamento, acessível apenas após dois anos completos de Autorização de Residência (AR) em Portugal.

Mesmo após esse período, o processo de reagrupamento pode demorar até nove meses segundo os prazos europeus — e sabemos que, em Portugal, esses prazos raramente são cumpridos. A emissão da própria AR, por exemplo, pode arrastar-se por mais de dois anos, como demonstram inúmeros casos junto da AIMA. Resultado: esta nova lei impõe separações familiares que podem durar três anos ou mais — um tempo muito além do que a legislação europeia permite.

Pior ainda, esta separação não é aplicada a todos da mesma forma. A lei discrimina com base no nível de qualificação: trabalhadores considerados altamente qualificados não enfrentam estas barreiras. São as famílias de trabalhadores menos qualificados — que mesmo cumprindo os requisitos legais — que ficam sujeitas a esta separação forçada. É legítimo, justo ou constitucional que o direito à família dependa do nível de escolaridade ou da profissão? Quem ganha com a fragmentação destas famílias? Como é que partidos que se afirmam defensores da família apoiam uma lei que a destrói na prática? Que famílias estão, afinal, a defender?

Há poucos anos, o mundo ficou indignado ao ver a administração Trump separar crianças dos pais na fronteira com o México. Portugal prepara-se agora para aplicar uma versão igualmente cruel — mas com um detalhe ainda mais perturbador: aqui, a separação ocorre antes mesmo de a família chegar ao aeroporto. Estamos a falar de pessoas com propostas de trabalho legais, documentação em ordem, tudo dentro da lei. Ainda assim, o Estado diz: “pode vir — mas sem a sua família”.

Para além da injustiça, a medida é um erro económico grave. Ao afastar trabalhadores de sectores com escassez de mão de obra — como a construção, agricultura, hotelaria ou serviços — o país fecha a porta a quem pode contribuir de forma essencial para a nossa economia. E fecha-a precisamente no momento em que mais precisamos de força laboral para cumprir prazos de infraestruturas financiadas pelo PRR, como habitação pública ou linhas de metro.

O próprio Governo reconhece: Se tivesse a certeza de que há empreiteiros suficientes e mão de obra disponível, eu garantiria a execução do PRR. Só não posso garantir por causa do risco de falta de trabalhadores.” Além disso, com a escassez de mão de obra na agricultura e indústria alimentar, os custos de produção sobem. E com eles, os preços nos supermercados. Já hoje, segundo o Eurostat, os portugueses estão entre os europeus que mais gastam em alimentação. Esta nova lei só agravará essa realidade.

Vivemos um tempo perigoso, em que parece valer mais eleitoralmente maltratar os mais vulneráveis do que investir em soluções reais para desafios estruturais. Dá mais votos ser “duro” com imigrantes do que ter coragem política para planear e modernizar o país. Em vez de pensarmos Portugal como um país com futuro, focamo-nos em criar obstáculos aos que nos querem ajudar a construí-lo.

A Lei da Separação das Famílias não é apenas injusta. É um reflexo de uma política que trocou visão estratégica por populismo. Que se esqueceu de que um país constrói-se com pessoas — todas as pessoas — e que o direito à família não devia ser privilégio de alguns.

Portugal tem um novo desígnio nacional: destratar imigrantes e separar famílias. Aceitamos isto como país? Cabe-nos a todos dizê-lo: alto, claro e agora.