
Se quisermos ser simplistas, ou descaradamente demagógicos, podemos dizer que para os europeus, para os políticos e líderes em Bruxelas e nas capitais dos 27, a União Europeia vale menos do que a NATO e a promessa de protecção de americana.
Os mesmos (praticamente) Estados membros da União Europeia que foram à Haia jurar a Donald Trump que iam gastar 3,5% em segurança e defesa (mais 1,5% em despesas que indirectamente também contribuirão para a segurança e defesa do continente), agora que se começa a discutir o futuro quadro orçamental da União Europeia, avisam já que se recusam gastar muito mais do que um por cento do seu PIB (Produto Interno Bruto) a financiar a Europa.
Para ser justo, e não ser descaradamente demagógico, a comparação não se pode fazer exactamente assim. Os europeus não entregam nem entregarão à NATO os 3,5% que prometeram a Trump investir em segurança e defesa. Tal como gastam muito, mas mesmo muito mais, nas prioridades políticas que tanto estão no orçamento da União Europeia como estão nos seus orçamentos nacionais. Para quê, então, a provocação? Porque há informação útil por trás da comparação injusta.
Os Europeus – sobretudo os dirigentes, mas também os eleitores - querem, de facto, muita coisa da Europa. Mas não estão dispostos a pagar muito por isso. Porque não têm? Não. Porque lhes faz falta? Em parte, sim. Mas, sobretudo, porque não querem partilhar recursos, mesmo que queiram resultados comuns. E Von der Leyen não é Trump nem tem os seus argumentos.
Na quarta-feira da semana passada, a Presidente da Comissão Europeia apresentou, no meio de uma grande trapalhada, a sua proposta para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para os sete anos entre 2028 e 2034. Quem paga, acha que a Comissão quer receitas a mais; quem recebe, garante que a Comissão está a cortar na despesa que (lhes) interessa. De sete em sete anos, quando se inicia esta discussão, é quase sempre assim. Mas desta vez há umas especificidades que vale a pena perceber.
A União Europeia precisa de começar a pagar os empréstimos do Next Generation EU (o PRR) e tem de se focar em duas novas prioridades: segurança e defesa, por um lado (ainda que não seja matéria da competência da União, como é a agricultura, por exemplo, é prioridade destes tempos), e tornar a economia europeia mais competitiva. E, além disso, continuar a financiar o que já financia, como sejam os agricultores, precisamente, e a coesão (que é como quem diz, a política desenhada para aproximar as regiões menos favorecidas das outras). Não havendo mais ovos, só há uma maneira de se fazer esta omelete: cortando as fatias de outra maneira. Foi o que a presidente da Comissão propôs.
Von der Leyen apresentou um orçamento total que é, na prática, quase igual ao que tem sido. Mas soube apresentar os números de maneira a parecer que era mais. Se descontarmos o pagamento do empréstimo do PRR, não é mais, é o mesmo mais um bocadinho.
Para convencer os países menos ricos a aceitar perderem receita garantida, juntou as duas políticas mais caras, a agrícola e a da coesão, e sugere que se entregue a cada Estado membro um bolo, com a coesão e a agricultura lá dentro, que depois os governos (negociando com as regiões, acredite quem quiser) distribuirão. Estas duas políticas, que valiam praticamente dois terços do orçamento da União, passam a valer nem metade. Os governos nacionais, perdem dinheiro, os agricultores e os governos locais (municipais e regionais) perdem dinheiro, mas os governos centrais ganham margem de manobra na sua distribuição. Têm menos, mas gastam mais como quiserem. Von der Leyen espera que seja um incentivo suficiente para aceitarem.
O outro grande bolo do orçamento, que cresce, é baptizado de Fundo Europeu da Competitividade, e é onde está tudo o que Bruxelas gere directamente (ao contrário do que é entregue aos Estados para gerirem), da investigação e inovação à nova prioridade à segurança e defesa, passando pelo financiamento do que supostamente contribuirá para a competitividade, nomeadamente infraestruturas europeias, incluído as que concorrem para a mobilidade militar (a famosa ponte sobre o Estreito de Messina ou, talvez, o novo aeroporto de Lisboa, se eventualmente for bem argumentado). O truque, aqui, é que estas verbas, que financiam a inovação, o empreendedorismo, os grandes investimentos na transição energética, as interconexões europeias, costumam ser muito mais apropriadas pelos países mais ricos e já mais competitivos do que pelos países da coesão. Ou seja, do lado da despesa, Von der Leyen propõe reduzir as verbas para a agricultura e coesão, mas dar mais liberdade aos governos (sobretudo aos dos países menos ricos) no seu uso, e aumentar as verbas que tendem a beneficiar os países que contribuem mais para o orçamento da União, dirigindo-as às prioridades que os relatórios Draghi e Leta identificaram como prioritárias e que são onde os mais ricos gastam mais.
Do lado da receita, a União Europeia depende, sobretudo, da percentagem do PIB nacional que cada Estado membro entrega ao Orçamenta da União. Além disso, há algumas cobranças de taxas e “impostos” que a União quer aumentar. Von der Leyen propõe-se cobrar uma espécie de sobretaxa às empresas com maior volume de negócios (não é lucros)- várias empresas portuguesas incluídas. Num tempo em que os Estados dizem que querem aumentar a competitividade, a União Europeia aumentar-lhes os impostos é capaz de ser uma ideia pouco genial. A outra receita extra viria através de uma espécie de sobretaxa sobre os impostos sobre o tabaco. Como os países onde os impostos sobre o tabaco são mais altos são os mesmos onde há mais comércio ilícito de tabaco e receitas fiscais perdidas, a ideia corre o risco de ser sobretudo uma perda de receita para os Estados, em parte a benefício da União, em parte a benefício dos traficantes. Também não é genial.
Isto tudo dito, é óbvio que é mais fácil criticar do que fazer bem feito. Mas, sabendo que na verdade quem paga sãos os governos nacionais e os seus contribuintes e consumidores, a melhor maneira de fazer o orçamento da EU seria começar por perguntar aos Estados no que querem gastar e quanto. Partindo do que aceitam ter e querer ter em comum, fazia-se o resto do caminho. Mas para isso os líderes europeus teriam de ser tão exigentes e ambiciosos uns com os outros como é Trump com a Europa. Não são.