Pelo menos 73 migrantes morreram este ano ao tentar atravessar o Canal da Mancha de França para Inglaterra, o maior número de sempre, anunciou esta quarta-feira a autoridade marítima do Canal da Mancha e Mar do Norte (Prémar).
Desde o aparecimento, em 2018, de "pequenas embarcações" para fazer a travessia, os números têm aumentado todos os anos, com os "traficantes a assumirem cada vez mais riscos", referiu a mesma autoridade, especificando que os barcos usados são de "má qualidade" e "inadequados" para o Estreito de Pas-de-Calais, onde as condições meteorológicas são muito difíceis e onde circula perto de 25% do tráfego marítimo mundial.
Este ano, a prática também ficou marcada por outra característica preocupante: o número de migrantes por barco aumentou significativamente.
Sobrecarga nos barcos é cada vez maior
Em 2024, a média de pessoas por cada barco subiu para 54 por travessia, o que representa um aumento de 50% face a 2022.
"Esta sobrecarga aumenta os riscos, sendo que 90% dos naufrágios envolveram barcos que transportavam 50 ou mais migrantes", explicou a Prémar.
Por outro lado, foi registado, este ano, um outro recorde, já que houve um número inédito de pessoas que morreram a bordo destes barcos insufláveis, não por naufrágio, mas por asfixia após um esmagamento, avançou a autoridade marítima.
O alargamento das zonas de partida na costa francesa, até à Baía de Somme ou mesmo Dieppe, mais a sul, também expõe os migrantes a travessias mais longas e perigosas.
Para fazer face a esta situação, as capacidades das equipas de salvamento têm sido reforçadas desde 2022.
O pessoal do Centro Regional de Vigilância Operacional e Resgate de Gris-Nez (Cross) aumentou 17%, e seis navios de alto mar, bem como um helicóptero de serviços de emergência estão agora constantemente mobilizados.
No entanto, determinados a chegar ao Reino Unido, os traficantes e os migrantes só aceitam ajuda dos serviços de emergência "como último recurso", perante "uma situação de extrema urgência", sublinha a Prémar.
A câmara municipal de Pas-de-Calais alertou ainda para a utilização de embarcações pouco insufladas e pouco motorizadas, sem coletes salva-vidas, e saídas organizadas "mesmo em pleno inverno".
Há mais “migrantes oportunistas”
Segundo denunciou, estão também a multiplicar-se as práticas de "separar famílias", mesmo com "crianças muito pequenas", provocando "movimentos de pânico", assim como o fenómeno dos "táxi-barcos", canoas que são lançadas à água e para onde os migrantes têm de nadar às escondidas.
Um novo fenómeno a que as autoridades chamam de "migrantes oportunistas" também aumentou significativamente este ano, acrescentou o procurador de Boulogne-sur-Mer, Guirec Le Brás, em declarações à agência de notícias francesa AFP, explicando que são pessoas que tentam "embarcar em barcos, no último instante, para não pagar a travessia".
Consequentemente, o perigo da zona costeira cresceu exponencialmente, admitiu a Prémar, passado a ser local de "quase 40% das mortes".
As fases de embarque e regresso à praia são "muitas vezes caóticas", criando riscos de hipotermia, afogamento e asfixia.
Guirec Le Bras apontou ainda a deterioração dos barcos, muitos sem piso, onde os migrantes ficam separados do mar "por uma membrana plástica", com um risco altíssimo de "rasgar o fundo" ou de "o barco se dobrar sobre si próprio e afundar".
Segundo a câmara municipal de Pas-de-Calais, 5.800 pessoas foram resgatadas no mar este ano e 871 tentativas de travessia foram impedidas pela polícia.
Entre 2022 e 2024, "um em cada cinco migrantes" falhou a sua tentativa de travessia, acrescentou a Prémar.
Em novembro, o ministro do Interior francês, Bruno Retailleau, anunciou novos reforços policiais e uma missão de combate à migração ilegal.
No entanto, segundo as associações de ajuda aos migrantes, a polícia nas praias não dissuade as partidas, antes obrigando-os a afastarem-se, o que só prolonga as travessias e aumenta os perigos.
"O Canal da Mancha tornou-se um cemitério e os que estão no poder procuram outro lugar" para este fenómeno, denunciou o responsável da associação humanitária Utopia 56, Axel Gaudinat.
De acordo com uma contagem da AFP baseada em números oficiais, 35.338 migrantes chegaram ao Reino Unido em "pequenos barcos" este ano, o que representa um aumento de mais de 20% face a 2023, quando o número se ficava pelos 29.437.