Tanques e lavadouros públicos: ainda se lava à mão em Amarante

Lavadouros do Bairro Cancela de Abreu (Foto AM)

“Ir lavar ao rio” foi expressão corrente por muito tempo, sendo que, gradualmente, entrou em desuso, com o aparecimento dos tanques e lavadouros públicos que, embora não de forma coincidente, autores vários apontam o início da sua construção para o final do século XIX, primeiras décadas do século XX, com um crescendo a partir de 1950/60.

Água fria, da ribeira / Água fria que o Sol aqueceu / Ver a aldeia traz à ideia / Roupa branca que a gente estendeu / Três corpetes, um avental / Sete fronhas e um lençol / Três camisas do enxoval / Que a freguesa deu ao rol.

Esta estrofe faz parte da banda sonora do filme “A Aldeia da Roupa Branca”, realizado por Chianca de Garcia, em 1938. Tratava-se de uma comédia popular, de enorme êxito, sendo a cantiga com o mesmo nome magistralmente interpretada pela atriz Beatriz Costa, falecida em 1996, com 88 anos.

Eduardo Teixeira Pinto imortalizou, em várias das suas fotografias, as lavadeiras do rio Tâmega. Mulheres que, muitas vezes de água até aos joelhos, esfregavam nas rochas casacos, saias e calças, mas também “peças grossas”, cobertas e cobertores, ensaboados com sabão rosa. Roupa sua, dos maridos e filhos ou das patroas para quem trabalhavam. Se o faziam para fora, ganhavam à peça ou ao cesto e o valor do pagamento dependia de, também, darem, ou não, a ferro.

“Ir lavar ao rio” foi expressão corrente por muito tempo, sendo que, gradualmente, entrou em desuso, com o aparecimento dos tanques e lavadouros públicos que, embora não de forma coincidente, autores vários apontam o início da sua construção para o final do século XIX, primeiras décadas do século XX, com um crescendo a partir de 1950/60, embora se tenha que atender aos contextos, conforme se tratasse de cidades ou aldeias e a existência ou não de cursos de água. 

A verdade é que, gradualmente, as lavadeiras foram abandonando os rios e as ribeiras, transferindo a atividade para aqueles equipamentos públicos, sendo que, nos anos trinta do século passado, terão também surgido os primeiros tanques de cimento, muitas vezes colocados mas varandas e marquises dos apartamentos, algo que se vulgarizou com a construção de bairros de habitação social nas grandes cidades. 

“(…) Essa peça não muito bela, nada agradável ao toque, mas quase omnipresente e útil para a lavagem de todo o tipo de roupa – e, às vezes, da ocasional criança vinda da praia ou de brincar na terra (…)”, escreveu no jornal Público Joana Amaral Cardoso, numa peça brilhante de título “Portugal a lavar roupa no tanque” (in PÚBLICO/Ípsilon, edição online, 11.08.2017).

Um outro texto, publicado no site “Rede de arquivos públicos do Algarve”, descreve os lavadouros públicos como espaços exclusivos das mulheres, locais de socialização, uma vez que neles juntavam-se várias mulheres em ambiente de amena conversa e convívio, onde se inteiravam dos boatos e mexericos e se falava da vida alheia, do que era e do que não era, dos amores e desamores, das infidelidades. Eram os ‘pasquins’ da aldeia”

“Durante a lavagem das roupas, continua o texto, entre uma e outra conversa, havia sempre quem cantasse e era aí que surgiam muitas das ‘modas’ novas. Transformava-se uma tarefa bastante dura e ingrata num momento de alegria”. 

Em Amarante: lavar à mão, mas pouco

Desde há mais de três décadas que a máquina de lavar vem ganhando aos tanques e lavadouros públicos, também em Amarante, ainda que os existentes continuem a ter procura, sobretudo para a lavagem de “roupa grossa”, que não vai à máquina, como constatou AMARANTE MAGAZINE (AM) no Bairro Cancela de Abreu. 

Isto, apesar de terem surgido na cidade negócios de lavandaria para aquele tipo de roupa, do género americano “do it yourself”. Um, anexo ao Intermarché e outro no Bairro de S. Lázaro (a dois passos do hipermercado Continente). Ambos estão situados em zonas de forte densidade populacional e onde existem bairros sociais.

Nos últimos meses, a menor presença de roupa a secar nas proximidades dos tanques públicos indicia diminuição da procura daqueles espaços, o que poderá ter a ver com a pandemia que nos aflige e que aconselha ao afastamento e à não partilha de espaços e lugares.

É verdade que já são poucos os lavadouros públicos na cidade de Amarante. AM identificou dois em atividade: o que serve o Bairro Cancela de Abreu, em espaço fechado, gerido pelos moradores e com cerca de 15 tanques individuais; e o que, de acesso aberto, se situa na R. Francisco Sá Carneiro, à Torre, com 10 tanques. Nenhum dos dois espaços tem relevância arquitetónica, ao contrário de alguns existentes em Lisboa e Porto, com balneários e sanitários associados.

Na periferia da cidade, em Gatão, há, pelo menos, um caso onde ainda se lava à mão. É no lugar da Boavista, próximo do Centro Interpretativo do Vinho Verde. Em muitas aldeias do concelho de Amarante, como é o caso de Covêlo do Monte, Rebordelo,  Canadelo, Carvalho de Rei e Jazente mantêm-se ativos tanques e lavadouros públicos, embora a procura atual já nada tenha a ver com a dos anos 60, 70 e 80 do século passado. Em Amarante ainda se lava à mão. Mas pouco!

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