Vou tentar dar-vos a imagem da coisa: Estava numa maca, numa sala amontoada de outras camas. Colado a mim estava um senhor que se negava a comer, meter a fralda e que só dizia que “queria morrer, que o levassem dali e que acabassem com o seu sofrimento”; À minha frente uma rapariga com uma cólica renal, numa cadeira de rodas, que gritava tanto quanto os seus pulmões lhe permitiam, ali a importância de atuarem era imediata, mas tão imediata quanto a de agirem perante um presidiário que entrou algemado à cama, e que grunhia de dor enquanto gritava “quero comida, tirem-me daqui, vou fugir!”, ainda que tivesse pulseira cor-de-laranja.

No meio desta espécie de filme de terror, os médicos, enfermeiros e auxiliares sempre exímios, no fundo era só mais um dia no escritório para eles. (Para contextualizar, isto aconteceu no dia mais quente do ano até então, estavam 42´graus e só havia um ar condicionado a cobrir toda a sala).

O meu estado era confuso, mas havia uma pergunta que não me deixava descansar Porquê?”, porque é que existem pessoas que estudam 5 anos de clínica geral e posteriormente outros tantos de uma especialização, para depois viverem neste terror humano, todos os dias?

O médico que se dedicou ao meu processo esteve sempre ativo, apaziguou-me e garantiu-me que eu não sairia dali sem uma resposta e que ele também não me deixaria sozinha perante a minha dor, e foi aí que lhe perguntei “Dr. Que dia é este? O que é que se passa lá fora para tanta confusão, logo hoje, tive mesmo azar, não foi?”, ele olhou para mim e disse-me “Teresa, isto hoje até está calmo, os pacientes estão orientados, as equipas estão todas presentes e felizmente estamos a conseguir dar respostas, dentro dos tempos desejados”.

Justamente neste momento a porta da casa de banho abre-se (que é só uma para todo o serviço de urgência) e vê-se sangue por todo o lado (paredes, chão, lavatório (…)

- Normal, Dr.?

- Que chatice… aquela senhora está a ter grandes hemorragias, tenho de lá ir, não se devia ter levantado, volto já.

Enfim, não querendo ser demasiado gráfica, nem tampouco dramática, até quando é que os médicos e todas as suas equipas têm de agir com tudo isto de forma casual? Não são só os utentes que estão doentes, é o mundo ao achar isto natural e aceitar esta realidade de ânimo leve.

Todos os meses descontamos para que o nosso Serviço Nacional de Saúde esteja assegurado, todos os meses trabalhamos o dobro e recebemos 2/3 para que, em situações de emergência os serviços mínimos nos sejam garantidos. Os médicos andam (literalmente) pelos corredores a correr para dar respostas a todas as responsabilidades que lhes são atribuídas, responsabilidades essas, que vos relembro, são vidas.

Os enfermeiros consomem medicação para aguentar dores de cabeça por falta de descanso e para fazerem turnos consecutivos, os auxiliares por muito bom humor, carinho e empatia que tentem manter, passam a vida num sobe e desce de transportes de pessoas para exames, que já nem os “crocs” e os bonequinhos sorridentes que lá colocam os salvam.

Se não protegermos quem nos cura, nos trata, e nos direciona onde é que, quando precisarmos, vamos pedir auxílio? Pedir respostas?

Sou muito católica, mas não há reza nenhuma que esteja acima da importância da ciência, essa é absoluta e precisa de ser feita com clareza, descanso, lucidez e respeito por quem a exerce.